The architect

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quinta-feira, 12 de abril de 2012

A casa da Cultura, ou o estranho caso de falta de igualdade no Município de Setúbal.


As recentes noticias vindas a público revelam um Municipio frágil, que não sabe muito bem actuar nestes novos tempos de democracia e lá vai fazendo as coisas da melhor maneira que sabe… não duvido. Mas ás vezes é bom vermos as coisas por trás do pano para perceber realmente como as coisas se passam:

O Município de Setúbal fez publicar no D.R. nº43 II série – Parte L no dia 3 de Março de 2010, um anúncio de Concurso Público para a “Aquisição de Projectos de Execução e Assistência Técnica da Casa da Cultura”, com o tipo de contrato: Aquisição de Serviços.
Os documentos foram disponibilizados aos interessados através da plataforma electrónica www.compraspublicas.com.

Após descarregamento das peças do procedimento verificou-se da leitura do caderno de encargos, que o programa de elevada complexidade, consistia em síntese, na recuperação, adaptação e refuncionalização de um edifício no centro histórico prevendo-se a instalação de 4 valências: Escola de música; Centro de documentação, estudo e promoção da canção popular Portuguesa; Espaço expositivo (Espaço das Artes); Núcleo partilhado, com zona de bar e café concerto, auditório e salas de ensaio, para além de outros espaços acessórios.

Com o procedimento eram solicitados múltiplos documentos de modo a constituir uma proposta, projectos de todas as especialidades ao nível do programa base, Estudo Prévio de Arquitectura, maqueta ou modelo 3D, desenhos rigorosos de plantas, cortes e alçados, encarnados e amarelos, fotomontagens da proposta e cálculos justificativos da proposta de fundações e estrutura, entre outros documentos. Tudo isto no prazo mínimo previsto na lei para um Concurso público… 9 dias!!!!.

Na qualidade de pretenso concorrente, uma vez que me inscrevi no procedimento em plataforma electrónica, cumpre-me comentar o referido concurso:
Da análise das peças imediatamente concluì que o procedimento configura um trabalho de concepção, uma vez que exige o estudo prévio de arquitectura e especialidades. Como o Código dos Contratos Públicos especifica, existem várias modalidades de Concurso Público, entre eles a figura do Concurso público de Concepção, no entanto, e neste caso a C.M. de Setúbal adoptou simplesmente o Concurso público normal, como se de uma simples aquisição de serviços se tratasse. E pôde fazê-lo porque o CCP está blindado para que as entidades que recorrem aos vários tipos de concurso público o façam da maneira que querem e entendem, basicamente porque ninguém nem nada fiscaliza as escolhas que são feitas no momento de lançar o concurso

A apresentação de uma proposta deste tipo obedece a um conjunto de tarefas que decorrem de forma sequencial, não podendo serem terminadas determinadas fases sem a precedente ser concluída, ora, o prazo pedido de 9 dias para elaborar tudo o que é pedido é fisicamente impossível, facto facilmente verificável elaborando um cronograma de Gantt.
ualquer proposta apresentada nestas condições padeceria certamente de falta de qualidade, objectividade, e indícios de vício, num equipamento tão importante para a Cidade de Setúbal.

Para além disso a C.M. de Setúbal riscou da sua lista todos os traços de transparência eticamente aconselhável ao não promover a audiência de interessados, escudando-se a C.M. De Setúbal numa pretensa urgência do procedimento.

Mas… o procedimento era público, pelo que múltiplas equipas se inscreveram na plataforma electrónica de modo a obterem acesso às peças do procedimento… a indignação foi geral, como se pode confirmar pelos pedidos de esclarecimento feitos pelos concorrentes na plataforma, cujo conteúdo é público, sugerindo inclusive comentários de Arquitectos Portugueses reconhecidos, caso de Alcino Soutinho, que confirmavam o sentimento geral, passo a transcrever:

“Exmos. Senhores:
Face ao curto prazo de entrega do presente concurso (9 dias) em que é exigido um estudo prévio de arquitectura e um programa base para todas as especialidades, maquetes ou imagens 3D, solicitava a informação do concorrente que já elaborou o projecto e irá, obviamente, vencer este simulacro de concurso.
Com os meus melhores cumprimentos
ASOUTINHO ARQUITECTOS, LDA”.

Pois é, o concurso teve mesmo um vencedor, dos dois que se candidataram… o Arquitecto Gonçalo Silva.

Concluindo, face ao exposto, estamos perante um procedimento inquinado, padecendo de vícios e enfermidades irrecuperáveis que só a impugnação no devido tempo teria feito sanar.

Porque não foi feita a impugnação? Bem, impugnar um concurso, neste país, custa dinheiro, é preciso pagar a um advogado num relativo curto espaço de tempo (5 dias), quantas pessoas estão dispostas ou têm capacidade financeira para o fazer?
Será por essa razão que muitas destas questões são dirimidas na imprensa?

A prática profissional da Arquitectura não se coaduna com prazos de nove dias para desenvolvimento de projectos definidos com o rigor expectável de um ‘Estudo Prévio’. Por muito menos, o Serviço de Concursos da OA já considerou outros concursos inaceitáveis, alertando para as sanções disciplinares decorrentes da participação dos seus membros em concursos deste ‘calibre’.
Não estando salvaguardados os princípios da própria actividade profissional da arquitectura, nem tão pouco os da efectiva concorrência os membros da Ordem dos Arquitectos têm o dever de não participar e denunciar este tipo de práticas em Concursos.

O meu falecido Avô, Dimas Pereira, foi fundador do Circulo Cultural de Setúbal, no imóvel que hoje a C.M. de Setúbal quer e muito bem, instalar a Casa da Cultura. Circulo, de amigos, que foi fundado sobre os princípios da igualdade e dos ideais de Abril.

… sou formado em arquitectura, nasci no ano de 74 e conheço bem os ideais de Abril, pelo que me espanta a desigualdade de oportunidade patente neste concurso, 36 anos passados. Parece que algumas Instituições reagiram mal á democratização dos procedimentos.

É este o triste inicio que queremos para uma Casa da Cultura?
É este o Nosso futuro?

Na sequência deste concurso foi enviada uma carta á Presidente da C.M. de Setúbal, a resposta veio lacónica de um tal vereador Rabaçal alegando a urgência do prazo… por um prazo, deita-se ao chão a democracia, a igualdade de participação…  parece que é assim que funciona a C.M. de Setúbal.